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ONDE O ORGULHO COMEÇOU 

Anos Rebeldes

Por Luan Borges e Henrique Rodrigues

 As mudanças culturais e comportamentais no decorrer dos séculos trouxeram desafios à supremacia conservadora que estabeleceu uma moral caracterizada por tabus e advertências ameaçadoras. O Estado, antes do século XVIII, tinha o direito de se intrometer no comportamento das pessoas porque não existia a noção da privacidade, tudo era público, seguindo os preceitos da religião e das leis, que se misturavam arbitrariamente. Um dos fundamentos desse mundo repressivo era a concordância coletiva em torno de supostos bons costumes.

Os grupos que mais sentiram essa repressão de liberdade e dignidade foram mulheres, negros, índios e gays; indivíduos sempre tratados com indiferença pela sociedade e que precisavam garantir o direito de serem reconhecidos como pessoa humana para depois, conquistar seus direitos civis. Movidos pelo ideal de igualdade desses direitos, os movimentos sociais ocuparam uma importante função no sentido de se manifestar popularmente para protestar e lutar por mudanças sociais com determinada ideologia.

O conservadorismo mundial das décadas pós-guerra não era mero acaso. Papéis de gênero claramente definidos e ideais domésticos romantizados eram tentativa de recolocar a vida de volta nos eixos após o tumulto da Segunda Guerra Mundial. Em momentos como esse, o medo das pessoas de um possível retorno da crise fazem elas se protegerem na tradição, família, religião e propriedade. E movimentos que são organizados para ir contra essa prática são facilmente intimidados com violência e ações policiais.

O contexto de efervescência política desencadeada pelo movimento dos direitos civis nos Estados Unidos na década de 60, a par da sua capacidade estratégica para reivindicar para a população afro-americana os direitos sociais e políticos vigentes para os membros da comunidade branca, contribuiu para o comportamento coletivo de contracultura do movimento hippie, que denunciava as injustiças do sistema capitalista e eram contrários às guerras e o racionalismo.

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Montagem com fotos dos movimentos que eclodiram na década de 60. (Foto: Reprodução)

Nessa conjuntura rebelde, o ativismo feminino deu início a sua segunda onda, trazendo à luz a pauta da teoria radical que versa sobre a condição das mulheres de exploradas por conta do sexo e das suas funções reprodutivas. Assim, o movimento feminista ganhou as ruas para dizer não ao machismo enquanto a liberação sexual tornou-se base da euforia juvenil pela revisão dos costumes, onde a virgindade era vista como algo para libertar as pessoas e a pílula anticoncepcional veio à tona como arma feminina na luta pelo prazer. Para além do eixo norte-americano, o fim da década teve seu ápice em maio de 1968, quando diversos movimentos estudantis pelo mundo tomam conta das ruas para contestar a sociedade vigorante.

A Revolta 

Foram nessas circunstâncias que na madrugada de 28 de junho de 1969, há 50 anos, uma rebelião contra atos violentos da polícia nova iorquina no pequeno bar de Stonewall Inn, no East Village, ponto de encontro dos marginalizados da sociedade, que em sua maioria eram gays, entraria para a história do mundo ocidental inaugurando o movimento de libertação gay, não só nos Estados Unidos, mas em vários outros países, em que o ativismo pelos direitos LGBTQIA+ ganha o debate público e as ruas. Isso porque, ao contrário dos direitos civis negros que eram protegidos por emendas constitucionais oriundas da Guerra de Secessão (1861-1865), os gays não tinham proteção da lei, muito menos da Constituição. 

De acordo com o coordenador do projeto Una-se contra a LGBTfobia e professor do Centro Universitário UNA, Roberto Alves, é importante compreender Stonewall dentro de um contexto político maior que os Estados Unidos estavam vivendo.

 

“Falamos muito dos EUA porque é o único lugar que tem uma mudança ativa e efetiva que influenciou outros países, sendo precursor de muitos movimentos sociais como os direitos civis negros e feministas em sua segunda onda que eclodiram na década de 60. É importante compreender como essas lutas são próximas com a LGBTQIA+ e contribuíram para tal”, diz Alves. 

Até 1962, relações entre pessoas do mesmo sexo eram consideradas crime em todos os Estados americanos. Por volta do globo, a situação não era diferente. A questão dos direitos homossexuais no mundo é complexa: ela está amarrada à cultura e à história de cada país que têm leis divergentes sobre o assunto. Abaixo, um infográfico que mostra o panorama das conquistas de direitos no Brasil.

 

Para além da legislação, na Nova York de 1969, dois terços dos americanos olhavam os homossexuais com nojo, mal-estar ou medo. Pesquisas de opinião pública expunham que a população reprovava a permissão de relações homossexuais entre adultos sem punição legal. O rigor da punição variava de estado para estado e as condenações por “comportamento obsceno e imoral” eram usadas para educar o público e “solucionar o problema”. Os homossexuais, cientes da rejeição, enfrentavam se escondendo. As pessoas que tinham coragem de se assumir frequentavam seus próprios bares, boates e cafés, fugindo do olhar de reprovação da sociedade.

Nesse sentido, o Stonewall Inn era um dos mais conhecidos bares gays da cidade. Diferentemente de outros lugares que também recebiam o público LGBT, ali a maioria dos frequentadores eram jovens da periferia, que haviam deixado suas famílias por causa de preconceito e drag queens. Segundo relatos de livros e documentários, a polícia fazia vista grossa ao estabelecimento porque seus donos, que tinham relação com a máfia, pagavam propina para que ele funcionasse. Estes donos também aproveitavam para chantagear os frequentadores famosos ou com mais dinheiro.

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Infográfico: Henrique Rodrigues

Frequentadores do bar Stonewall Inn. (Foto: Reprodução)

O cansaço dos abusos por parte da polícia e a falta de força política gay para impedir a repressão, então se agravaram naquela madrugada, por volta da 1h30, quando a polícia resolveu fazer mais uma batida no bar. Era a terceira vez em um espaço curto de tempo que policiais faziam essa ação em bares gays daquela área. Nove policiais entraram no local e sob alegação de que a venda de bebida alcoólica era proibida ali, prenderam funcionários e começaram a agredir e a levar sob custódia alguns frequentadores travestis ou drag queens que não estavam usando ao menos três peças de roupa “adequadas” a seu gênero, como mandava a lei, em uma evidente intolerância contra a população LGBT.

 

Treze pessoas foram detidas. Algumas, ao serem levadas para a viatura, decidiram provocar os policiais fazendo caras e bocas para a multidão. A polícia então começou a usar de mais violência para fazê-las entrar nos carros. A partir daquele momento, a multidão fora do Stonewall Inn começou a jogar nos policiais moedas, escalando depois para pedras e garrafas.

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Levante da madrugada do dia 28 de junho. (Foto: Reprodução)

Os policiais acabaram sendo encurralados para dentro do bar. Alguém atirou um pedaço de jornal com fogo para dentro do Stonewall e teve início um princípio de incêndio. A retaliação da polícia levou parte da comunidade gay de Nova York, que até então se escondia, a ir às ruas protestar nos arredores do Stonewall Inn durante os próximos seis dias. Os manifestantes foram para as ruas protestar por seus direitos demonstrando orgulho de ser quem eram e provocavam a ordem e a polícia.

 

Na resistência à violência contra a população homossexual e não binária nasce o Orgulho LGBT, esse com ‘o’ maiúsculo ou ‘Pride’, em inglês, há 50 anos. A reação daquela noite deu início a uma série de protestos pelo fim da discriminação com base em orientação sexual e em identidade de gênero que culminaram na primeira marcha do Orgulho, exatamente um ano depois. A partir daí, junho foi oficializado como o mês de celebração do Orgulho LGBT, se tornando anos mais tarde, uma das maiores manifestações populares do mundo.

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Primeiras paradas do orgulho gay após Stonewall, que reuniam cerca de mil pessoas. (Foto: Reprodução)

Militância LGBTQIA+

 

O engajamento da comunidade LGBTQIA+ na luta pela liberdade e pelos seus direitos civis aumentou, significativamente, em todo o mundo, após a visibilidade da Revolta de Stonewall. No Brasil, o movimento LGBTQIA+ demorou para ganhar força, pois o país vivia um período de cerceamento das liberdades democráticas. Como afirma  o preso político durante a ditadura militar e professor aposentado de Artes da UFU, Afonso Lana, existiam movimentos que poderiam ter sido mais importantes junto com a efervescência das reformas.

 

“Naquela época haviam grandes movimentos sociais que poderiam ganhar corpo e acabaram sendo reprimidos pelos militares”. Principalmente, após o Ato Institucional nº 5 (AI5), que suspendeu os direitos políticos, liberdades civis, proibiu atividades e manifestações sobre assunto de natureza política e aumentou a censura, pois 1968 foi marcado por manifestações estudantis e operárias, além de greves e paralisações que pressionavam o regime militar.

Entretanto, mesmo com um atraso significativo, ainda no Brasil da década de 1970, a militância de gays e lésbicas começou a tomar os seus primeiros passos em busca da liberdade e dos direitos civis. A comunidade se reunia em bares, os chamados "guetos", onde eram feitos debates políticos. “O movimento LGBT surgiu como Movimento Homossexual e a partir do processo de redemocratização ele ganha força. A partir do lançamento do jornal do lampião em 79 e do grupo SOMOS, em SP, surgiu uma discussão de mobilização política que foi  forte”, relata Alves, do UNA.

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Manifestação do SOMOS: primeiro grupo de afirmação LGBTQIA+ no Brasil. (Foto: Reprodução)

Lampião da Esquina 

No Brasil, o ativismo LGBT foi atrasado pela Ditadura Militar. O contexto mundial influenciou para a ascensão dos movimentos sociais no país, conta o professor Afonso Lana. “Em 1968 houve um levante do movimento estudantil no Brasil. Eram jovens que se opunham aos militares e que abarcavam o ativismo negro e das mulheres, então, trazíamos nas nossas plataformas além da liberdade democrática essas outras militâncias. Nessa época ainda não existia um forte movimento LGBT”, completa Lana. Mas, dez anos depois, dentro do contexto de imprensa alternativa na época da abertura política de 1970, houve o surgimento do “Lampião da Esquina”, jornal homossexual que circulou entre 78 e 81, durante o abrandamento de anos de censura promovida por essa ditadura.

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Distribuído em formato de tabloide, algumas manchetes do jornal Lampião da Esquina. (Foto: Montagem)

A publicação dizia pra todo mundo que os gays existiam, eram mortos ou injustamente processados no país. A proposta era mostrar que a homossexualidade não estava restrita aos guetos e que a homofobia era bem mais grave do que poderia parecer. O jornal em formato de tabloide representou uma classe que não possuía voz na sociedade, mostrando-se importante para a construção de uma identidade nacional pluralista. Escrito por escritos da comunidade LGBT, o Lampião da Esquina teve sua história resgatada em um documentário produzido pelo Canal Brasil, com direção de Lívia Perez.

Em 1979, o Grupo Lésbico-Feminista surgiu quando mulheres do Grupo Somos de Afirmação Homossexual, de São Paulo (primeiro grupo homossexual do Brasil), foram convidadas a redigir uma matéria sobre lésbicas para o jornal Lampião da Esquina. Após a publicação dessa matéria, decidiram continuar juntas e formaram o primeiro grupo lésbico brasileiro, cujo coletivo se desfez em meados de 1981. Mas duas remanescentes deste coletivo, resolveram dar continuidade a organização especificamente lésbica e fundaram o Grupo Ação Lésbica Feminista (GALF).

As ativistas do GALF passaram a produzir o panfleto Chana Com Chana e vendiam no Ferro’s Bar, localizado no centro da cidade de São Paulo, na rua Martinho Prado, já que o local era frequentado por mulheres lésbicas e também feministas. A partir disso, começaram a ser alvo de discriminação do dono do estabelecimento, culminando na proibição da venda do jornal.

No dia 19 de agosto de 1983, lideradas pelo GALF, elas resolveram fazer o que ficou conhecido como “o pequeno Stonewall brasileiro”. Forçaram a entrada e leram, em meio a aplausos e assobios, o manifesto sobre os direitos das mulheres lésbicas e contra a repressão que estavam sofrendo. O levante resultou no pedido de desculpas do dono do bar e a liberação para a venda dos panfletos. Depois da revolta, mais mulheres começaram a ocupar o espaço. A imprensa cobriu efusivamente, como a Folha de São Paulo e a revista Visão, e com enfoque positivo, algo inédita no período. Esse dia foi marcado por uma das primeiras coberturas simpatizantes na grande mídia e deu origem ao Dia do Orgulho Lésbico.

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Fachada do Ferro's Bar, frequentado por lésbicas, no centro de São Paulo e ao lado direito, uma das capas do 'Chana com Chana'. (Foto: Reprodução)

Como consequência desses movimentos, a comunidade LGBTQIA+ alcança uma conquista importante com a retirada da homossexualidade da lista de doenças da Organização Mundial de Saúde, em 1985. Na mesma década, houve a adoção, por legislações municipais e Constituições estaduais, da substituição do termo "opção sexual" por "orientação sexual" e de dois artigos, que proíbem a discriminação e as diferenças salariais segundo origem, raça, sexo, cor, idade e estado civil. Anos depois, o sistema de justiça foi encarregado da tarefa de fazer avanços nos direitos LGBTQIA+ como a permissão da união e do casamento civil entre homossexuais pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Conselho Nacional de Justiça, a aprovação da resignação social, da utilização do nome social por travestis e transexuais e da mudança do nome e do sexo no registro civil de transgêneros, em março de 2018.

Em junho de 2019, o STF aprovou a criminalização da homofobia, além de reconhecer uma demora inconstitucional do Legislativo em tratar do tema. Diante desta omissão, os ministros determinaram que a conduta passe a ser punida pela Lei de Racismo, que hoje prevê crimes de discriminação ou preconceito por “raça, cor, etnia, religião e procedência nacional”. 

Vale lembrar que em 2018, comemorou-se 40 anos do movimento LGBTQIA+ no Brasil, mas o marco não foi o suficiente para que propostas que assegurem direito à comunidade sejam aprovados no Congresso Nacional. São dezenas de projetos de lei que envolvem desde a criminalização da LGBTfobia à doação de sangue para pessoas LGBTQIA+. O avanço de pautas conservadoras fazem com que PLs como esses fiquem estagnadas na Mesa da Câmara dos Deputados, onde há uma forte presença religiosa e antiquada. 

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O Congresso Nacional é composto em sua maioria por homens brancos, héteros e conservadores que se organizam em bancadas temáticas como a BBB: Bíblia, Boi e Bala. (Foto: Reprodução)

Lado a Lado: Avanços e retrocessos

O cotidiano LGBTQIA+ teve conquistas marcantes, por meio do aumento da visibilidade do que chamam de diferenças de sexualidade e identidade. Até então, a homossexualidade ou as sexualidades viviam marginalizadas, restritas a guetos gays como bares e boates, a exemplo de Stonewall. Atualmente, o Brasil abriga a maior parada LGBTQIA+ do mundo. 

No entanto, avanços e retrocessos parecem estar alinhados em virtude das declarações do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), que afirma começar a “tomar pancada do mundo todo” ao acusar o kit gay. “Eu comecei a assumir essa pauta conservadora. Essa imagem de homofóbico ficou lá fora”, disse, afirmando que isso prejudica investimentos. “O Brasil não pode ser um país do mundo gay, de turismo gay. Temos famílias”, disse. Bolsonaro já disse em entrevistas que é “homofóbico, com muito orgulho” e preferia ter um filho morto a um filho homossexual, entre outras declarações homofóbicas recorrentes em sua trajetória. 

Além disso, há uma forte tentativa de Jair Bolsonaro em denegrir a imagem dos LGBTQIA+, a exemplo da sua publicação no Twitter, durante o Carnaval de 2019, na qual continha um vídeo pornográfico de dois homens praticando um fetiche sexual e o presidente questiona o que teria virado os blocos de rua. Com isso, pode-se supor que a intenção do post é provocar na população uma aversão aos homossexuais, tendo em vista que houve a escolha proposital de uma cena pontual e de uma ação que convém apenas aos indivíduos que a praticaram, a qual não deve ser exposta, generalizada aos blocos de rua e, muito menos, questionada à sociedade, visto que um fetiche não deve ser questionado por terceiros. Desse modo, o preconceito com os homossexuais que ficou mais evidente com a eleição de Bolsonaro em outubro de 2018, mesmo após as declarações homofóbicas anteriores ao período eleitoral, tende a aumentar principalmente por ter sido postada no perfil de um Chefe de Estado.

Nesse sentido, em seu primeiro dia de governo, Jair Bolsonaro (PSL) assinou a Medida Provisória 870, que não deixa explícito que a população LGBTQIA+ faz parte das políticas e diretrizes destinadas à promoção dos direitos humanos, como constava anteriormente. Outro decreto, publicado no dia seguinte, institui que a promoção dos direitos dessa população ficará a cargo de uma diretoria subordinada à Secretaria Nacional de Proteção Global, o que representa uma perda de status em relação ao tratamento anterior, no país que segue no primeiro lugar do ranking de assassinatos de transsexuais, seguundo a ONG Transgender Europe.

Colocando o orgulho na rua

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Parada LGBTQIA+ em São Paulo, 2019. (Foto: Reprodução)

Vinte e cinco depois da primeira parada LGBT do mundo, o Brasil dava, literalmente, seus primeiros passos em um ato específico para contrapor, com atitude afirmativa, o preconceito. Uma pequena marcha na praia de Copacabana realizada no domingo, dia 25 de junho de 1995, fez o encerramento da 17ª Convenção Mundial da Associação Internacional de Gays e Lésbicas que ocorria pela primeira vez no país, como o evento mais importante para o ativismo LGBTQIA+.

No ano seguinte, um ato na Praça Roosevelt, em São Paulo, com cerca de 500 pessoas para reivindicar direitos às pessoas LGBTQIA+. Depois daquele ato, diversos grupos em prol das causas começaram a se reunir para organizar uma marcha anual na Avenida Paulista. O movimento ainda era conhecido como GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes).

Em 1997, a primeira Parada LGBT na cidade de São Paulo, que contou com cerca de duas mil pessoas, quase um grão de areia perto dos milhões que comparecem nas paradas mais recentes. Inicialmente inspirada pelas marchas na Europa e nos EUA, quase 20 anos depois, muita coisa mudou. A manifestação cresceu e ganhou novas causas, agregou diferentes públicos, conquistou espaço em diversas cidades brasileiras e tomou para si a maior Avenida de São Paulo de forma definitiva. Neste meio tempo, a luta pelos direitos também cresceu e a pauta tornou-se presente em muitos debates e discussões na sociedade. 

OPINIÃO

Parada LGBTQIA+: Carnaval ou ato político?

 

A 23ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo que celebrou os 50 anos de Stonewall, reuniu 3 milhões de pessoas no domingo do dia 23 de junho de 2019, na  Avenida Paulista, segundo os organizadores. Fantasias, cores e alegria invadem diversos espaços em todo o país em busca de visibilidade, respeito à diversidade e a demonstração de orgulho. 

Durante séculos, os indivíduos dessa comunidade foram considerados seres inferiores que deveriam ser ajustados de acordo com os padrões da sociedade. Se até o fim da década de 60, esses indivíduos se reuniam clandestinamente com a conformidade de que deveriam ficar escondidos para não sofrer rejeição da família, de amigos e conhecidos, com o decorrer do tempo convencionado a luta de ativistas da causa isso mudou. E deve ser mostrado. 

O que choca mais? Dois homens se beijando em público ou os dados alarmantes sobre LGBTfobia no Brasil? Segundo números levantados pelo Grupo Gay da Bahia, a cada 25 horas, uma pessoa LGBTQIA+ é assassinada em território brasileiro. Combinado a isso, a representatividade vagarosa nos âmbitos públicos e o fortalecimento de estereótipos torna a discriminação algo recorrente. Por isso o orgulho de protestar mostrando orgulho da seu gênero e orientação sexual através de performances, beijos, brilhos e muitas cores. 

Nesse sentido, pode-se compreender o porquê desses eventos atrairem tantas pessoas ao demonstrarem o empoderamento de indivíduos que lutam por direitos básicos da vida: respeito, reconhecimento e paz. A mensagem política aqui é clara: ocupamos as ruas e não voltaremos mais para o armário. 

Por Luan Borges 

A Exclusão

O número de desempregados no Brasil , em relação ao ano de 2019, chegou a 12,5% e atingiu 13,2 milhões de trabalhadores, segundo o IBGE. Esse cenário representa uma grande problemática a ser resolvida. Além da influência do PIB ou de questões referentes ao quadro econômico, os entraves das minorias para serem empregadas são maiores do que esses fatores.

O trabalho, em postos ditos formais, por si só, é um lugar, historicamente, composto por homens brancos e cisgêneros - concordância da identidade de gênero do indivíduo com a sua genital de nascença -, o que mudou ao longo dos anos por meio de lutas pela integração de mulheres e negros nesse ambiente, mesmo frente a desigualdade salarial, hierarquias e preconceitos que se mostram evidentes em processos seletivos e no momento da escolha dos contratados. E quando se refere aos obstáculos para o ingresso da comunidade LGBTQIA+ no mercado de trabalho, as dificuldades passam a constituir questões ideológicas e preconceituosas da população brasileira.

O conservadorismo sustentado por diversos âmbitos diminuem as possibilidades de emprego dos indivíduos pertencentes à essa comunidade. Nessa conjuntura, as diferentes orientações sexuais e identidades de gênero são questões que ainda incomodam determinada parcela da sociedade brasileira, o que motiva a marginalização de indivíduos que não fazem parte dessas circunstâncias. 

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Segundo pesquisas do portal Plata o Plomo, 41% da comunidade LGBTQIA+ afirmam ter sofrido discriminação e 33% das empresas brasileiras não contratariam essas pessoas para o cargo de chefia. Essas porcentagens representam um significativo atraso para a economia, uma vez que os LGBTQIA+ são 18 milhões de brasileiros, 9% da população nacional, segundo dados da revista EXAME, ou seja, movimentam 150 bilhões por ano. O efeito disso na vida dessas pessoas é refletido no aumento do número desempregados, de indivíduos em subempregos ou na prostituição, além de depressões e suicídios. 

A exclusão dos LGBTQIA+ no mercado de trabalho existe em diferentes setores e cargos e, quando não são rejeitados, são pressionados por colegas de trabalho à mudarem o seu modo de vestir, de falar ou se comportar, com a justificativa de não afastar a clientela e dificultar as vendas da empresa ou do estabelecimento.

A  Revolta homenageada na música

O álbum The Stonewall Celebration Concert, foi o primeiro disco solo lançado por Renato Russo, gravado entre fevereiro e março de 1994, com a intenção de conter "músicas que provocassem tranquilidade e alívio", segundo o artista.

A temática do amor foi a escolhida para as canções, motivando o artista a homenagear os 25 anos da Revolta de Stonewall. Músicas foram todas regravadas de artistas famosos dos anos 1970 a 1990, como Madonna, Bob Dylan e Tanita Tikaram, mas com um formato mais pop e menos rock (estilo que definia o Legião Urbana), contando apenas com a voz e o violão ou a voz e o piano.

De acordo com o professor de Música da UFU, Eduardo Fraga Tulio, o The Stonewall Celebration Concert foi um acontecimento importante, pois levantava a bandeira LGBTQIA+ na década de 1990, período em que a homossexualidade era muito velada e o preconceito era ainda maior do que no ano atual. O álbum contribuiu para o início de um movimento de artistas que assumiam a sua orientação sexual. A celebração em notas musicais evidenciou que a obra do Renato Russa ia além da rebeldia e da irreverência do rock, ela alcançava o pop e mais tarde à música romântica italiana, com o álbum Equilíbrio distante (1995).

A harmonia provocada por Renato Russo é o que surpreende no álbum, tendo em vista que foram escolhidas músicas com diferentes ritmos e de artistas distintos, mas que foram modificadas corretamente, de maneira que elas dialogassem entre si e com a temática de amor pretendida para o The Stonewall Celebration Concert. Além disso, esse álbum provocou a surpresa dos fãs do cantor, pois estavam habituados a ouvi-lo cantando rock na banda Legião Urbana, contribuindo para afirmação do caráter multifacetado do artista e do seu talento para cantar diferentes estilos musicais. 

(Foto: Capa do CD e trilha sonora/ Reprodução)

Renato Russo era um cantor, nascido no Rio de Janeiro, em 27  de março de 1960, que, segundo Fraga, possuía o diferencial de ser um grande letrista politizado, que produzia  músicas de conteúdo, numa época em que MPB estava por baixo, com músicas comerciais, composições que fizeram sucesso até os dias de hoje. O artista fez parte da banda de rock Legião Urbana, formada por mais quatro integrantes, Marcelo Bonfá, Eduardo Paraná, Paulo ‘Paulista’ Guimarães e Renato Rocha.

 

O sucesso do grupo começou em 1985, quando lançaram o primeiro disco, e a sua popularidade começou a crescer rapidamente, junto a estreia de grandes músicas, como "Eduardo e Mônica" e "Pais e Filhos", que fizeram bastante sucesso e marcaram várias décadas.

Mesmo com todo a fama, Renato decidiu seguir carreira solo, em 1993, lançando o The Stonewall Celebration Concert no ano seguinte, seguido do disco Equilíbrio Distante. E o fim de sua carreira ocorreu, em 1996, quando o cantor faleceu, aos 36 anos, devido à problemas de saúde originados pelo HIV.  

A partir da história de Stonewall e sua contribuição para a luta pelos direitos LGBTQIA+, assista o vídeo que produzimos:

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O Jornalismo Já é uma iniciativa do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia, com objetivo de informar através de reportagens, mídias-resenhas e textings. 

Copyright © 2019. Design idealizado por Luan Borges, Melissa Ribeiro, Ítana Santos, Beatriz Evaristo, Josias Ribeiro e Jackeline Freitas. 

Produção de conteúdo: 10ª turma de Jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia, sob orientação dos professores drs. Raquel Timponi, Reinaldo Maximiano, Aléxia Pádua e Adriana Omena.

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